quarta-feira, 29 de abril de 2009


Imagem na Sacristia da Igreja de São João Evangelista

JOVEM POETA PROMISSOR


Este espaço serve também para partilharmos preciosidades há muito escondidas dos olhos do mundo. Refiro-me ao facto de José Carlos Ary dos Santos, então apenas com 14 anos de idade ter escrito ao director da revista de cultura e arte "Horizonte" editada em Évora em 1951, a mostrar-se interessado em publicar os seus versos ali. A surpresa do Director da revista, Manuel Madeira, foi grande, não tanto pela ousadia de uma criança de quatorze anos mas sim pela grande qualidade da escrita. Aqui ficam então os dois sonetos de José Carlso Ary dos Santos:

ALTÍSSIMUS!

Mais astros, mais azul e o mar maior,
Que a minha alma não cabe nesta vida,
Inda mais alto o rumo do condor,
Que eu ainda o ultrapasso na subida!

Maior angústia e mais intensa a dor,
Que entre o meu pranto enorme está perdida,
Mais rubro o Sol e mais viçosa a cor,
Numa campina grácil e florida.

Inda mais fundo o abismo dos rochedos
Mais escondida a chama dos segredos!
Que em nossos corações andam dispersos!

Mais vida, mais montanhas, mais espaços,
Que a vida é um foguete nos meus braços
E o espaço é uma rima nos meus versos.

José Carlos Ary dos Santos


CRUZ

Ter asas e pesarem-nos os braços,
Ter sonhos e morrer nesta ansiedade,
Vivermos nos azuis e nos espaços
Caindo nos abismos da maldade!

Sabermos que envenenam aos pedaços
Nosso anseio de paz e de bondade,
E que espiam de noite os nossos passos,
Fugindo-nos depois na claridade!

Sofremos um inferno em cada hora,
Tendo a alma fechada, incompreendida,
Eternamente à espera duma aurora.

Não vejamos, por isso, mal algum
Que o Senhor Deus, quando nos deu vida
Deu-a em forma de Cruz a cada um!

José Carlos Ary dos Santos

segunda-feira, 27 de abril de 2009


Pintura de Roerich

POEMA À MÃE

Porque todos os dias são dias da Mãe...

«No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe!

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos!

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais!

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura!

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos…

Mas tu esqueceste muita coisa!
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha, queres ouvir-me?:
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio do laranjal…

Mas – tu sabes! – a noite é enorme
e todo o meu corpo cresceu…
eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe,
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas…

Boa noite. Eu vou com as aves!»

EUGÉNIO DE ANDRADE «Os Amantes sem Dinheiro»

domingo, 26 de abril de 2009


Ruas de Évora

VIDA E ENERGIA

Toda a criatura tem origem no Amor.
Mineral, vegetal, animal, humano, do embrião ao esquecimento, todo o Ser aspira por realização, aspira pela perfeição que o originou.
O Universo, com todos os seus constituintes está, é vivo! Porque é, afinal, constituído por Vida.
Cada Ser é um reservatório de energias, diferentemente organizado consoante a forma que assume. A Grande Lei que rege todos estes seres é, em última análise, a da Economia. Na Natureza não existem desperdícios, não existe nem de-mais nem de-menos energia em cada seu representante, do que aquela que este poderá comportar. E, ao nosso nível, todos nós manipulamos a quantidade e a qualidade de energia que conseguimos neste momento conter. Tal como uma lente ao Sol, somente conseguimos reflectir aquela quantidade de luz e de calor dentro das capacidades de resistência do vidro de que somos feitos. Suportar ou querer acumular mais energia solar do que aquela que realmente podemos canalizar, arriscamos a quebrar o vidro em mil pedaços e a enfraquecer relativamente a nossa forma energética original.
Passemos, através desta analogia, para a energia que possuímos e que permanentemente se encontra em mutação e em transformação no interior dos nossos tecidos vivos – nervos, cérebro, órgãos vitais... – que continuamente emitimos pelas extremidades e recebemos através da cabeça, do coração, do plexus solar...
Contínua e “passivamente” – porque do foro do inconsciente – estas trocas energéticas conferem vida ao sistema orgânico que somos. Eventualmente já teria havido tempo em que conscientemente o homem teria a capacidade de manipular as energias que o constituíam e que poderiam ser canalizadas através dele. São reminiscências desses tempos imemoriais os Serviços de Cura e toda a Ritualística mágico-religiosa enquadrados pelas diferentes Religiões ao longo dos milénios de vida do Ser Humano.
Desde a utilização electromagnética dos cromeleques e dolmens pré-históricos, até às imponentes Catedrais Góticas, desde a erecção do simples menir, até à fundação da pequena ermida, com certos e determinados enquadramentos telúricos – que dizem respeito às energias contidas e simultaneamente fluentes na Terra Mãe – tudo se resumia funcionalmente à utilização consciente das energias cósmicas que nos envolviam e que potencialmente só esperavam o sinal ou gesto, o som ou a palavra correctos para se colocarem à disposição de quem se predispunha a utilizá-las.
O homem há muito que perdeu a visão global de encarar o Universo. Em detrimento da Unidade de Vida como objectivo último da busca, dedicou-se a estudar as múltiplas diversidades, espartilhando a Realidade e perdendo-lhe o seu sentido intrínseco. Preferiu olhar os efeitos esquecendo ou relegando para segundo plano as causas ou a Causa Original.
Neste momento a humanidade encontra-se numa fase de re-aprendizagem da sua relação com o Todo e com a Vida. Recomeçou a sua viagem e a sua busca... para o Centro... da parte para o Todo. Mais do que uma intenção, esta re-descoberta assume um estado de espírito que tem que ver principalmente com uma disponibilidade psicológica que permitirá ao novo homem a aceitação da mudança radical que, em última análise, consiste em fazer viver em cada um aquele Ser que, por excelência, tem a capacidade e a disponibilidade de Escutar, de Olhar e de Viver plenamente a vida sem conflito – a Criança.
Afirmava C. Jinarajadasa, numa das suas obras teosóficas – A Nova Humanidade da Intuição –, em 1938:
«(...).
A visão e a força que necessitamos [para a mudança] hão-de vir da criança. (...). Porque, de um modo místico, as crianças podem abrir-nos um livro de sabedoria e das suas faces alegres podem irradiar raios de força, para nos encher de coragem.
(...).
Se Deus, a indiscritível Majestade do universo, a fonte de toda a Verdade e Beleza, “se fez carne” e viveu num berço e brincou como uma criança, na Palestina e na Índia, foi por mostrar que todas as crianças têm em si a natureza de Cristo e de Krishna. Se lançarmos a vista numa nova direcção e descobrirmos “o segredo da infância”, saberemos que as crianças são alguma coisa mais do que crianças. Elas são mensageiras de um reino de beleza, sabedoria e força, elas podem conduzir-nos pela mão ao cume da montanha de Pisgah e mostrar-nos a terra dos nossos sonhos e esperanças.
(...).»


Rui Arimateia / "Textos Teosóficos II "
Évora / Ramo "Boa-Vontade" da Sociedade Teosófica de Portugal

sábado, 25 de abril de 2009

A Festa saíu à rua em 2009


Fotografia de António Roque

O 25 DE ABRIL E A LIBERDADE

Ontem à noite a Praça do Giraldo encheu-se de eborenses para em conjunto comemorarem uma data que tem ainda um grande sentido para Portugal e para os portugueses - o 25 de Abril de 1974. Dia em que um movimento de capitães pôs fim a um regime totalitário e injusto, à guerra de África, ao isolamento político, social e cultural a que estávamos constrangidos.

Ontem os cravos reergueram-se bem alto na Praça do Giraldo, em gestos harmoniosos, como que a afastarem alguma ameaça pressentida, como que a insurgirem-se contra alguma força estranha àquele viver em liberdade que conquistámos naquele já longínquo dia 25 de Abril...
Évora estava em festa, também a música, a poesia e as vozes estavam bem presentes a cantarem a Grândola Vila Morena e soaram bem alto...

São momentos como estes que nos fazem pensar na Liberdade, quanto preciosa ela é e que diferentes significados terá para cada um de nós que a aclama, a defende, a grita e a canta!

Contudo ela só existe realmente se a soubermos construír e acarinhar dentro de nós próprios. A Liberdade é muito frágil, contudo poderá ser inspiradora de mudança, de transformação e de sensibilidade perante o mundo, os outros e principalmente perante nós próprios.

Ouçamos a inspiradora palavra de Miguel Torga:

LIBERDADE

— Liberdade, que estais no céu...
Rezava o padre-nosso que sabia,
A pedir-te, humildemente,
O pão de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.

— Liberdade, que estais na terra...
E a minha voz crescia
De emoção.
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.

Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
— Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.


Miguel Torga, in 'Diário XII'

quinta-feira, 23 de abril de 2009

CAMINHOS ARCAICOS


Idanha-a-Velha

A LUSOFONIA DE OLINDA BEJA

Extensão imensurável
de raízes em solos longínquos
usos
costumes
sangues cruzados…
sonhos que ficaram perdidos nas pedras
a circundar o Globo das nossas vidas

estranhos?!
estranhos porquê?
talvez o sejamos na distância lusa
dos nossos palmeirais exóticos
panos garridos
gargalhar sensual e provocador
talvez o sejamos até no linguajar materno
que no berço ouvimos

mas se hoje procuramos a essência
de um passado comum
é porque aquele acento no coração de todos nós
é a ave migratória dos nossos mares entrelaçados


Poema de Olinda Beja, in “Água Crioula”, Pé de Página Editores, Coimbra, 2007.
Poeta natural de Guadalupe, São Tomé e Príncipe.

quarta-feira, 22 de abril de 2009


São livros da nossa Biblioteca Pública

CELEBREMOS O DIA MUNDIAL DO LIVRO

Atrevo-me a partilhar convosco este extraordinário texto da investigadora brasileira contemporânea Guiomar de Grammon, ao qual deu um curioso título -

LER DEVIA SER PROIBIDO:


"A pensar fundo na questão, eu diria que ler devia ser proibido.
Afinal de contas, ler faz muito mal às pessoas: acorda os homens para realidades impossíveis, tornando-os incapazes de suportar o mundo insosso e ordinário em que vivem. A leitura induz à loucura, desloca o homem do humilde lugar que lhe fora destinado no corpo social. Não me deixam mentir os exemplos de Don Quixote e Madame Bovary. O primeiro, coitado, de tanto ler aventuras de cavalheiros que jamais existiram meteu-se pelo mundo afora, a crer-se capaz de reformar o mundo, quilha de ossos que mal sustinha a si e ao pobre Rocinante. Quanto à pobre Emma Bovary, tomou-se esposa inútil para fofocas e bordados, perdendo-se em delírios sobre bailes e amores cortesãos.
Ler realmente não faz bem. A criança que lê pode se tornar um adulto perigoso, inconformado com os problemas do mundo, induzido a crer que tudo pode ser de outra forma. Afinal de contas, a leitura desenvolve um poder incontrolável. Liberta o homem excessivamente. Sem a leitura, ele morreria feliz, ignorante dos grilhões que o encerram. Sem a leitura, ainda, estaria mais afeito à realidade quotidiana, se dedicaria ao trabalho com afinco, sem procurar enriquecê-la com cabriolas da imaginação.
Sem ler, o homem jamais saberia a extensão do prazer. Não experimentaria nunca o sumo Bem de Aristóteles: o conhecer. Mas para que conhecer se, na maior parte dos casos, o que necessita é apenas executar ordens? Se o que deve, enfim, é fazer o que dele esperam e nada mais?
Ler pode provocar o inesperado. Pode fazer com que o homem crie atalhos para caminhos que devem, necessariamente, ser longos. Ler pode gerar a invenção. Pode estimular a imaginação de forma a levar o ser humano além do que lhe é devido.
Além disso, os livros estimulam o sonho, a imaginação, a fantasia. Nos transportam a paraísos misteriosos, nos fazem enxergar unicórnios azuis e palácios de cristal. Nos fazem acreditar que a vida é mais do que um punhado de pó em movimento. Que há algo a descobrir. Há horizontes para além das montanhas, há estrelas por trás das nuvens. Estrelas jamais percebidas. É preciso desconfiar desse pendor para o absurdo que nos impede de aceitar nossas realidades cruas.
Não, não dêem mais livros às escolas. Pais, não leiam para os seus filhos, pode levá-los a desenvolver esse gosto pela aventura e pela descoberta que fez do homem um animal diferente. Antes estivesse ainda a passear de quatro patas, sem noção de progresso e civilização, mas tampouco sem conhecer guerras, destruição, violência. Professores, não contem histórias, pode estimular um curiosidade indesejável em seres que a vida destinou para a repetição e para o trabalho duro.
Ler pode ser um problema, pode gerar seres humanos conscientes demais dos seus direitos políticos em um mundo administrado, onde ser livre não passa de uma ficção sem nenhuma verossimilhança. Seria impossível controlar e organizar a sociedade se todos os seres humanos soubessem o que desejam. Se todos se pusessem a articular bem suas demandas, a fincar sua posição no mundo, a fazer dos discursos os instrumentos de conquista de sua liberdade.
O mundo já vai por um bom caminho. Cada vez mais as pessoas lêem por razões utilitárias: para compreender formulários, contratos, bulas de remédio, projetos, manuais etc. Observem as filas, um dos pequenos cancros da civilização contemporânea. Bastaria um livro para que todos se vissem magicamente transportados para outras dimensões, menos incômodas. E esse o tapete mágico, o pó de pirlimpimpim, a máquina do tempo. Para o homem que lê, não há fronteiras, não há cortes, prisões tampouco. O que é mais subversivo do que a leitura?
É preciso compreender que ler para se enriquecer culturalmente ou para se divertir deve ser um privilégio concedido apenas a alguns, jamais àqueles que desenvolvem trabalhos práticos ou manuais. Seja em filas, em metrôs, ou no silêncio da alcova... Ler deve ser coisa rara, não para qualquer um.
Afinal de contas, a leitura é um poder, e o poder é para poucos.
Para obedecer não é preciso enxergar, o silêncio é a linguagem da submissão. Para executar ordens, a palavra é inútil.
Além disso, a leitura promove a comunicação de dores, alegrias, tantos outros sentimentos... A leitura é obscena. Expõe o íntimo, torna coletivo o individual e público, o secreto, o próprio. A leitura ameaça os indivíduos, porque os faz identificar sua história a outras histórias. Torna-os capazes de compreender e aceitar o mundo do Outro. Sim, a leitura devia ser proibida.
Ler pode tornar o homem perigosamente humano."


In: PRADO, J. & CONDINI, P. (Orgs.). "A formação do leitor: pontos de vista". Rio de Janeiro: Argus, 1999. pp.71-3.

Ao longe... Monsaraz

DIA DA TERRA... DIA DA MÃE

a rosa e o graal

1

mãe que tens olhos nos seios
de que dás vida ao menino
aragem de profecia na sageza dos caminhos

arca do amor e do trigo

a vida de guarda em ti

a barca de sóis
barca de berço

portadora da esperança
nas águas do sofrimento

mãe do tempo
iniciadora

terra e árvore chão e altura

a vida te faz prenúncio
da Vinda
e da graça nova

mãe do tempo
iniciadora

dor de existir e o refúgio
de ti vem oh doadora


2

neste meu corpo feito graal da esperança
aconteceste vida desdobrada nas grandes águas
da interior distância

e o teu sorriso a ser foi asa em mim pousando
e o teu sorriso o mar
como canto dado à minha sede

aconteceste e foste igual à viagem
neste corpo de praias e caminhos
a tudo querendo unir tudo inundando

por isso oh minha ave
quando partires ficarás morando
com o antes de chegares me habitavas
nessa memória do pressentimento

tempo de graça o tempo em que te espero
ainda que habitando no limite das coisas
e o mistério

mais real o mistério esse silêncio de que a vida cresce
mais real o invisível ventre antigo e materno
a que me acolho já vestida de esperança
e sofrimento

tempo de prova o tempo
em que para te ter terei de dar-te

e na margem que somos só uma praia
crescerá como um mar o mundo a separar

mas promessa ah promessa
o tempo que em mim canta

ao silêncio atenta sei em mim a rosa
de novo viva desde a minha infância


3

em minha sombra há mil rostos
voltados para a distância

e um vago jeito relembrando infância
a habitante
das moradas de vida a que me dei

matriz de outros destinos este corpo
extenso e sem contornos

achados noutros corpos embalei

alga tornada o mar

e coração
de que outros corações de amar
vieram

sombra de um sol distante
esta morada

aberta aos ventos como a face da terra


4

menina manhã do tempo asa do tempo menina
que o futuro faz sorrir com a ternura solar
de um materno pressentir

menina barco de lua
regaço de onda abraçando
velhos bonecos e o mundo
com sentimentos iguais
a todo gesto de embalo maternos
são teus sinais

menina
que guardas fontes
sonhadas de antiga sede

maternos são teus sinais

tecidos de velhas dores
e de alegria
habitando velhos bonecos morando
no teu colo amanhecer


Beatriz Serpa Branco, “A Face e as Sombras", Évora, 1969

terça-feira, 21 de abril de 2009

O Guardião da Praça...


Aspecto da Praça do Giraldo em Évora

CRIAÇÃO E LIBERDADE

O dia de amanhã é outro dia!
É o desconhecido que nos bate à porta.
É a procura, é o querer viver, que nos leva até lá.
Sem expectativas. Estarmos pura e simplesmente receptivos àquilo que irá acontecer.
É aliciante a Viagem.
É urgente a Criação do Novo.
É quando estamos a criar que nos encontramos, nós próprios, quando o conflito é inexistente, é quando estamos a viver a Vida, aqui e agora, e a partilhá-la com o Outro.
E a Criação está necessariamente ligada com a Liberdade.
Uma sem a outra é mentira!
Quando nos encontramos a nós mesmos, sem subterfúgios, sem defesas, a capacidade de Criação acontece à nossa volta e em nós, e o canal de comunicação e de comunhão com o Todo é a Liberdade!
O ser Livre é um ser Criador por excelência, e a Grande Obra tem que ver com a Paz interior, com a ausência de conflito, com a Alegria de Viver e com a Partilha do que é nosso não o sendo.
Olhar o dia de amanhã sem condicionamentos é a Libertação do Passado, é construir o Presente em cada minuto, em cada segundo que passa. É o desconhecido e é o Mistério… Contudo, parece ser a resposta autêntica e única para compreendermos a construção do Ser Total.
Tudo o que é de ordem material – e tudo o que conhecemos é material – é susceptível de transformação radical, é efémero, é mortal. A Morte está sempre presente, excepto onde existe autêntica Criação, pois esta pertence à ordem superior dos Arquétipos sem forma.
A Inteligência e a Sensibilidade estarão tanto mais vivas e livres quanto menos estiverem enclausuradas, reprimidas, enquadradas num casulo construído de matéria, de passado, de conflito estreitador das mentes e condicionador dos Corações.
A Arte, a Criação, não são dogmáticas, deixam sim, antes, adivinhar...
A opção profunda é a Alegria de Viver, sem medo... A opção autêntica é a procura da Liberdade – capacitadora da Criação...
Eis um desafio!
A Busca da Verdade Una é outro desafio que permitirá ao homem estudar-se e compreender-se a si próprio (enquanto um microcosmos) e estudar e compreender a Natureza (o macrocosmos), em todas as suas dimensões, estados e realidades. Tudo isto, afinal, para que o Auto-conhecimento seja conseguido e vivido, porque, como já o sublinhava o grande filósofo Sócrates, na Antiga Grécia, citando fonte muito mais arcaica – o Oráculo de Delfos – da Sabedoria Antiga:
“Homem, conhece-te a ti próprio... e conhecendo-te, conhecerás o Universo e os próprios Deuses.”


Rui Arimateia / "Textos Teosóficos I"
Évora / Ramo Boa-Vontade da Sociedade Teosófica de Portugal

domingo, 19 de abril de 2009

O Vigilante


Pormenor na Catedral de Évora

DE QUE FALAMOS QUANDO FALAMOS DO TEMPO

De que falamos quando falamos do tempo
De que falamos quando dizemos
isto, aquilo, o outro, o que sempre regressa,

o que parte e não volta.
As palavras dizem-se aqui, neste momento
e retornam ao seu eterno sistema de silêncio.

E o que é o silêncio...
o silêncio é um braço que se distancia
a chama que se extingue,
as cinzas do fogo.

E também é a terra e o céu,
a árvore e a chuva
quando ainda não tenham sido nomeadas
e esperam existir nos lábios humanos.

E falamos e dizemos
tempo
e isto, aquilo e o outro.
E ao renascer em nome
emudecem as fontes
e calam-se os rios...

No fundo da alma
há uma mar de silêncio.

Poema de Teresa Martín Taffarel
(Trad. do castelhano por Emanuel)

sábado, 18 de abril de 2009

PÔR DO SOL CROMELEQUE DOS ALMENDRES


Fotos de Francisco Bilou

DA TRADIÇÃO SUFI

"O meu coração abriu-se a todas as formas:
é uma pastagem para gazelas,
um claustro para monges cristãos,
um templo de ídolos,
a Caaba do peregrino,
as Tábuas da Torah e o Alcorão.
Pratico a religião do Amor;
qualquer que seja a direcção em que as caravanas avancem,
a religião do Amor será sempre o meu credo e a minha fé."

Ibn-'Arabi de Múrcia
(Místico Sufi da Andaluzia, Séc. XII-XIII)

Travessa no Centro Histórico de Évora

ÉVORA BRANCA por Cecília Meireles

E então já sei que é domingo. Uma vez, até vi passear entre esses janotas de casaquinhos modernos, um pastor de samarra peluda, com o cajado na mão, e pensei quase seria muito mais lindo se todos andassem com roupas dessas: mas quem acreditaria que falava a sério, se dissesse uma coisa dessas?
Prefiro os dias de semana: embora muito me encantem os rapazes e moças que passeiam, e os casaquinhos riscados, e os vestidos cor-de-rosa – sem falar nas samarras bucólicas. Mas quase sempre as cidades se tornam mais belas quando estão vazias. Falo destas cidades cheias de séculos – e Évora é um antigo ponto de encontro de romanos, mouros e cristãos.
Há sempre duas coisas a visitar, quando se chega a Évora: o templo de Diana, que já não parece uma peça arqueológica, mas um adorno colocado naquele sítio tão pulcramente bem varrido entre o Largo do Marquês e Marialva e o palácio do Duque de Cadaval; – e a fonte, aquela fonte gordinha que parece a «Menina e Moça», tem uma coroa no alto porque um rei – ó esses grandes galanteadores! – vendo-a tão harmoniosa, tão redonda, tão perfeita, teria exclamado: «Tão formosa és que bem mereces ser coroada!» E logo veio a coroa rematar-lhe a fronte de pedra, que pensa apenas águas reflexos de céu azul, velhas palavras enamoradas.
Eu também, se pudesse, punha uma outra coroa em Évora, se o ser formosa continua a dar direito à coroação. Amo a sobriedade gráfica de suas muralhas que caminham para longe como o dorso eriçado de um animal antediluviano; e as torres quadradas, e os parapeitos sobre os arcos, e o vulto maciço dos palácios, e todo o século XVIII das varandas e janelas; e tudo que é muito antigo – claustro, aquedutos – e tem uma grandeza, uma dignidade que o cimento armado – a meus olhos – não consegue ter. Bem sei que dentro destas colunas de hoje estão os cálculos dos arquitectos, está uma ciência nova e uma outra concepção do Mundo. Mas nada disso me comove ainda tanto quanto estas pedras antigas, estes azulejos, esta madeira. Queria que anoitecesse logo que viesse o luar, aquele luar de Florbela Espanca – «Não sei quem tem tanta pérola espalhou!» – e que a cidade se convertesse num claro mapa móvel, para em silêncio percorrer essa gravura de solidão.
Mas, apesar – dos transeuntes, há longas margens de sossego, nesta cidade serena, tão mineral, que para ver uma árvore é preciso empurrar a porta de um jardim. E então derrama-se-nos diante dos olhos algum pátio de recordações mouriscas, com seus vasos de plantas perfumosas e uma gota de água cantando, espaçada, como o suspiro de um alaúde.
«Évora branca, marmórea, ebúrnea, de lírios, nuvens, pombos e cisnes, camélia, cal, amêndoa e lua, imaculada…»

Esposas, vestais, capitéis, túmulos, cipós – é a paisagem de um mundo lunar, este maravilhoso museu, por onde os passantes sentem a tristeza da sua densidade, do seu peso, da sua obscura sombra. Quem tivesse estes leves pés que parecem de ar e luz, e são de vetusta pedra! Ah! Quem fosse apenas o que fica esculpido, ténue e translúcido…
Évora branca… – e então descemos pelo verde macio do jardim, com seus lagos, suas cornijas, seus recantos pensativos. Os pombos alçam voo, num arremesso de leques brancos; os cisnes deslizam sobre o seu próprio reflexo; e, à meia luz de um pequeno bosque, a face de Florbela inclina sua palidez de magnólia.

«A Flor do Sonho alvíssima, divina,
Miraculosamente abriu em mim…»

Como se o escultor tivesse querido imortalizá-la nesse verso. E há um silêncio de cetim, franzido apenas de repente pelo frenesi dos pombos, pelo frémito da água esverdeada. O rosto de Florbela pousa ali a sua brancura já sobre-humana «como pousam as folhas sobre os galhos». E tudo É branco.

«Évora branca, marmórea, ebúrnea,
Cera, alabastro, magnólia, jaspe…
Sal das tristezas, coluna de horas
Ultrapassadas…»

E estamos de novo no Largo do Giraldo. Giraldo Sem-Pavor, o mata-mouros… Ah! No brasão da cidadã, lá vai ele com a durindana levantada acima da testa, entre duas cabeças tristes que o contemplam, degoladas. E esta á a mancha encarnada, na brancura de Évora.
Pois sempre aparece uma alma sentimental que nos conte o passado: e esse Giraldo começou por namorar a pobre mourinha, e arrancou-lhe as senhas com que os Mouros se comunicavam, e assim escalou a Yeborah mourisca; e ainda degolou a triste menina mais o pai, o que a mim se me afigura um excesso de façanha.
Por isso, quando murmuro «Évora, branca, marmórea, ebúrnea…», estes fantasmas (que em toda a parte encontro e me acompanham) vêm a mim, e são os dois pobres degolados do brasão, e contam-me suas mágoas. E o mouro diz assim:

«Lembrai-vos, porém, senhora,
de Giraldo Sem-Pavor:
que outros o chamem de bravo,
nós o chamamos traidor.
Chegou-se tão disfarçado!
Conquistou o nosso favor.
Depois de amante fingido,
tornou-se vil agressor.
sobre as pedras que estais vendo,
corre uma fita de cor:
corre uma fita encarnada.
- sangue mouro, em tanto alvor –
destas cabeças cortadas
que pesam sobre o valor
do ardiloso comandante,
cruel Giraldo Sem-Pavor

Por mim, não diria nada:
mas não hei-de chorar por
esta moura, minha filha,
que mal podia supor
ser por ele degolada,
dando-lhe senhas e amor.»

Não posso deixar de ouvir o mouro, pois ele aqui está na minha frente, ao lado da filha, ambos lacrimosos, por mais que sobre eles tenham a passado quase oito séculos completos. As cabeças degoladas são assim: falam por muito tempo. Eu acho mesmo que falam eternamente. E não há nada a fazer, senão ouvi-lo, pois tentei voltar ao meu recitativo.

«Évora branca, marmórea, ebúrnea
cera, alabastro, magnólia, jaspe…».

e o mouro e sua filhinha me acompanhavam, em contraponto:

«Lembrai-vos, porém, senhora,
de Giraldo Sem Pavor!
Vede nestas pedras claras
Nossas máscaras de dor…».

Então, fui deixando aquele largo mal assombrado – apesar da confeitaria com bolos tão apetitosos – e comecei a subir uma daquelas ladeiras, e já ia alcançando o templo de Diana quando nos apareceu um cigano verde, um cigano absoluto de Garcia Lorca, de sombrero preto e lábios de azeitona, que se pôs a contar aos presentes o que ia fazer brevemente num circo. E levava arrastada a seu lado uma cigana dessas de morrer no fundo do algibe – e foi assim que se me escureceu a vista de Évora, embora não possa garantir se estas últimas coisas foram realmente vividas ou tão somente sonhadas. Mas deve ter sido tudo ao mesmo tempo.

Cecília Meireles

NOTA: interessante este texto de Cecília Meireles, que ainda não consegui datar. É o texto de uma poeta. Muito mais interessante se estivermos atentos a um assunto quase tabu para a cidade, para o senso comum de muitos eboreses. A questão do brasão da cidade ter por enventual protagonista uma sanguinária personagem, chamam-lhe Giraldo ou Giraldinho que é o mesmo, baseada numa lenda talvez forjada há séculos atrás... Tal como o estúpido espectáculo das touradas em pleno século XXI me deixam agoniado também esta mal compreendida iconografia do cavaleiro medievo me deixa consternado. É tempo dos eborenses se interessarem pelo significado dos símbolos que os representam. Por mim, enquanto eborense recuso ser representado por um símbolo homicida! Talvez alguns Professores que estudam sobre as coisas e os factos da história da nossa cidade se comprometam em lançar este debate e em organizar um forum de discussão sobre a iconografia da Cidade de Évora: qual é? qual a sua origem? qual o seu significado?...

sexta-feira, 17 de abril de 2009

O Café Arcada no seu passado longínquo...


Évora em castelhano...

Muitos são os que cantam Évora, não sendo eborenses de nascimento. Temos o caso interessantíssimo de, na altura, um jovem professor na Universidade de Évora e chegado recentemente - em 1998 - à nossa cidade se deslumbrou com ela e fez editar vários poemas em língua castelhana sobre alguns aspectos e facetas de Évora. O nome do poeta é António Sáez Delgado e a pequena brochura denominada "Miradores" foi editada por "Del Oeste Ediciones" em 1997 em Badajoz. Reproduzo o poema com o título

CAFÉ ARCADA

"Hay en la Praça de Giraldo
un sentido oculto de la ciudad,
una velada manera de ser
que no perciben casi los extraños
y se manifesta solamente
a algunos iniciados. Se consume
así en fuego la frágil fatiga
de este día, mientras piensa alguien,
contemplando la plaza distraída,
cómo todos los hombres deberían
conocer el certero paso
de la vida desde este antiguo Café,
o desde cualquiera con mesas
de márbol y ancianos reconocibles
por su actividad: agitadores
eternos de sobres de azúcar,
estudiosos de oscuros enigmas
bajo forma de cuchara y taza,
vagos lectores de diario alguno
que ocupe siempre toda la mesa,
que siempre ocupe la soledad toda."

Fica em nós realmente a saudade do que aquele e outros cafés da cidade um dia já foram e o que representaram para inúmeras gerações de eborenses...

terça-feira, 14 de abril de 2009

ÉVORA A BRANCA


IBN ABDUN D' ÉVORA

Évora é cidade património da humanidade não só pelas pedras, pelas ruas, pelos monumentos, arcos e praças, pelos vestígios da história construída... Évora é património universal pelas coisas, sensações, religiões e filosofias, pelas diferentes formas e realidades culturais que por ela passaram e vingaram e ainda hoje se sentem, quando percorremos, indiferentes ao tempo e ao espaço percorridos, os seus perfumes, as suas palavras ditas e cantadas, as suas vivências que ficaram retidas na essência das pedras suas testemunhas.
É exemplo disso a poesia do al Andaluz de ontem... a poesia de Ibn Abdun de Évora, numa tradução proposta por Adalberto Alves.
Ousemos pronunciar em voz alta esta poética versão, excerto de ode do grande poeta eborense do Século XII:

BEM CEDO o destino nos fustiga...
E para trás rastos vão ficando.
Esconjuro-te! Deixa que te diga:
Não chores por sombras, tudo é ilusão.
Ai de quem com quimeras vai sonhando
Entre as garras e os dentes do leão!
Que a vida não te iluda e entorpeça já.
Para a vigília são teus olhos feitos.
Ó noite, que do teu ócio nos afaste Alá.
E dos que ao teu feitiço estão sujeitos!
Teu prazer engana, víbora escondida
Detrás da flor: morde quem a quer colher.
Quanta geração foi de Alá querida!
O que ficou? - Poderá a memória responder?
Quem pode a menor coisa pretender.
E talentoso ou bom, deveras, ser?
Quem pode dar recompensa ou castigar?
Quem põe fim ao sopro da desgraça?
Quem é que a Danação pode afastar
Ou a tragédia que o Destino traça?
Ó vã generosidade, ó vão valor!
Quem me defenderá do opressor
- Calamidade em noite sem aurora -
Quem? Se já não há regra a respeitar
E o que resta é um silêncio imposto?
Quem é que apagará o amargo gosto
Que nunca ninguém pode apagar?"

Nota importante: anteriormente estava colocado um fragmento do poema de João de Deus ("A Vida") que "Saudades do Futuro" muito oportunamente e de imediato me alertou para o engano e aqui está então o nosso Ibn Abdun. Mais à frente colocarei então e devidamente identificado o poema de João de Deus.

segunda-feira, 13 de abril de 2009


No Jardim Público de Évora

JARDIM PÚBLICO DE ÉVORA E FLORBELA

O Jardim Público de Évora foi construído nos fins do século XIX ao bom gosto da estética Romântica. Foi José Cinatti, cenógrafo de renome,
que se encarregou de criar este espaço de Passeio Público. Fazia parte de terrenos do antigo Paço Real, hoje desaparecido, de que o assim chamado
Palácio de D. Manuel, ou Galeria das Damas, constituem os últimos vestígios.
Por estes caminhos de terra batida sob frondosas árvores e rodeada de flores, passeou uma das grandes poetas alentejanas: Florbela Espanca.
Lá se encontra o seu busto da autoria de Diogo de Macedo como que a fazer-no recordar a sua poesia e o seu encantamento por Évora:


Évora! Ruas ermas sob os céus
Cor de violetas roxas... Ruas frades
Pedindo em triste penitência a Deus
Que nos perdoe as míseras vaidades!

Tenho corrido em vão tantas cidades!
E só aqui recordo os beijos teus,
E só aqui eu sinto que são meus
Os sonhos que sonhei noutras idades!

Évora!... O teu olhar...o teu perfil...
Tua boca sinuosa, um mês de Abril,
Que o coração no peito me alvoroça!

...Em cada viela o vulto dum fantasma...
E a minh'alma soturna escuta e pasma...
E sente-se passar menina e moça...

domingo, 12 de abril de 2009

CELEBREMOS A PÁSCOA EM NÓS


Arrecife S. Gines - Lanzarote

O SÍNDROMA DA GUERRA ou um novo vírus mortal criado pelo Homem

Guerra no Iraque? Guerra na Palestina? Guerra na Bósnia? Guerra em Belfast e no país Basco? Guerra no Afeganistão? Guerra na Chechénia? Guerra em Cachemira?
A verdadeira guerra está a acontecer nas mentes, nas consciências e nos corações dos homens!
Entrámos no século XXI pela mão da barbárie e da selvajaria. Hoje, mais do que nunca, temos de repensar a natureza humana. Esta encontra-se a ceder aos seus mais baixos instintos da animalidade. A grande tentação das hegemonias e dos imperialismos, quaisquer que sejam as suas colorações – religiosas, económicas, culturais, civilizacionais –, conduzem a Humanidade a cometer autênticos genocídios.
Choques de culturas, choque de civilizações, choque de religiões, aliados à intolerância, ao despotismo, à prepotência, que caracteriza em norma a acção humana, são o apanágio do homem contemporâneo.
O Planeta está a sofrer uma imensa e arriscada provação. Falando metaforicamente, o Dragão Negro está a possuir e a dominar as mentes, as consciências e, o que é mais grave, o coração do ser humano.
Nunca as palavras Democracia, Religião e Amor, estiveram tão vazias de sentidos e de sentir. O primado do ter sobrepõe-se irremediavelmente ao primado do Ser.
Escutemos as palavras, prenhes de sentido, de um Mestre de Sabedoria:
“Que a tua Alma dê ouvidos a todo o grito de dor como a flor de lótus abre o seu seio para beber o sol matutino.
Que o Sol feroz não seque uma única lágrima de dor antes que a tenhas limpado dos olhos de quem sofre.
Que cada lágrima humana escaldante caia no teu coração e aí permaneça; nem nunca a tires enquanto durar a dor que a produziu.” [in “A Voz do Silêncio”, de H. P. Blavatsky].
Lágrimas, terror, sofrimento chegam constantemente aos nossos sentidos através do mass-media. Infelizmente temos a capacidade tecnológica de presenciar a(s) guerra(s) em directo. A grande quantidade de informação manipulada, distorcida e censurada, entorpece-nos o sentir. Olhamos, vemos, ouvimos, tomamos partido, mas falta responder à grande questão: como actuar? Como agir, enquanto indivíduos racionais e conscientes, perante este caótico estado de coisas? Perante estas “normalizadas” atrocidades de lesa humanidade, destituídas de qualquer ética?
Imaginemos, através de uma imaginação criadora, que contemplamos a Terra dos altos céus: sentimos na nossa carne a agonia dos povos! A Terra encontra-se coberta de feridas, cheia de cicatrizes, sangrentas, latejantes... causa de sofrimentos desmedidos...
Mais uma vez recorro à palavra legada por um Mestre de Sabedoria, a apontar caminhos:
“Procura em teu coração a raiz do mal e arranca-a... Somente o forte pode destruí-la. O fraco tem que esperar o seu crescimento, a sua frutificação e a sua morte. É esta planta que vive e se desenvolve através das idades...
Não vivas no presente, nem no futuro, mas sim no eterno. Ali não pode florescer esta erva gigantesca...
Cresce como cresce a flor, inconscientemente, mas ardendo em ânsias de entreabrir a sua nova alma à brisa. Assim é como deves avançar: abrindo a tua alma ao eterno.” [in “Luz no Caminho”, de Mabel Collins].
Não posso deixar de transcrever, neste tempo de Quaresma e de Páscoa, uma citação atribuída a Jesus o Cristo no momento em que se encontrava na Cruz da Transfiguração: “Eli, Eli, lama Zbacthni.” – “Aqueles que me difamarem, manterão abertas as minhas feridas”. Será esta uma leitura e interpretação destas palavras tão significantes que os cristãos, principalmente os que optaram pela via da guerra, deverão continuamente lembrar. Por certo que igualmente se lembrarão da Palavra de Jesus nos Evangelhos: “Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei.” Fazer a guerra à Humanidade é fazer a guerra a Cristo, é recusar, repudiar e espezinhar a Sua Palavra, o Seu Exemplo, a Sua Memória.
Lembremo-nos da grande verdade de que, não importa quão vasta a escuridão, quão vasta a noite, contudo uma pequena chama de vela detém essa grande escuridão. Na sua insignificância é invencível porque é Luz.
Jesus, o Cristo, não veio ao seio da Humanidade fundamentalmente para morrer. Ele não é, nunca o foi, o Cristo morto. A Vida e não a morte, a Luz e não as trevas, são o Seu ensinamento.
Que cada um de nós mantenha acesa a sua pequena chama. Cada qual, por si, pode tão só significar uma fraca luz, contudo a natureza de todas as chamas é a mesma, é Una. E todas juntas, na Unidade Essencial, firmemente dirigidas e erigidas aos céus ensombrados pelas densas nuvens negras do ódio e da ignorância, poderão, a pouco e pouco, afastar essas trevas e fazer surgir mais uma vez e sempre a Grande Chama Universal, corporalizada pelo Sol a que os antigos denominavam por Cristo Solar ou Logos Solar...
Mais Compaixão e mais Amor são precisos para que a Páscoa realmente se torne uma Realidade viva e verdadeiramente transformante e transformadora nos corações e nas consciências da Humanidade que é Una!


Rui Arimateia, Évora, Tempo da Páscoa do Ano de 2009.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

FLORES DO ALENTEJO


flores de esteva

FELIZ PÁSCOA

Feliz passagem por estes tempos e por estes blogs. Deixo-vos com um poema da nossa Maria Beatriz Serpa Branco. Tal como ela o diria – celebremos a Páscoa, celebrando a Vida. Bem hajam!:


na nossa infância os dias eram outros
longos dias de sol
vividos em sossego
no viver sempre aberto de nossa quietação
sem pressas e sem medos

sages de longa idade
sabíamos o tempo
vivíamos sem tempo
e a vida a rodear-nos braços que nos amavam

não tínhamos memória
do que antes conhecíamos
cada dia era um dia
e não uma cadeia
a prender-nos as mãos a horas já passadas
a gestos copiados

vivíamos o dia
dormíamos a noite
e nem quem nos morria estava ausente

a morte era uma porta
por onde entravam todos que saíam
a morte não havia
morríamos ao dia em cada noite
e em cada dia a vida renascia

Maria Beatriz (Évora, 1973)

A PEDRA CÚBICA


A PEDRA DOS SAGES

«(…). Sejamos uma célula sã do grande organismo humanitário, a fim de contribuir para a saúde geral. Preenchamos a nossa função em benefício da grande harmonia funcional colectiva, e possuiremos a Pedra filosofal!
Porque, cessemos de ignorar no século vinte o que significa falar. A Pedra dos Sages é uma realidade “em carne e osso”, pois que é o Homem, o ser humano tendo aprendido a viver de um modo plenamente humano, hominal ou humanitário. Produtora de maravilhas que não são ilusórias, esta Pedra é figurada por um Cubo perfeito, imagem de estabilidade, forma geométrica determinativa da cristalização salina.
(...).»
O. WIRTH

quinta-feira, 9 de abril de 2009

ÉVORA ANTIGA...


O Aqueduto

ÉVORA AO TEMPO DE D. JOÃO III

"Quando o Sol arde no Caranguejo e no feroz Leão e
persiste em correr o seu caminho na Virgem e na Balança,
deve fazer-se residência em Lisboa, e em Sintra que lhe fica
próxima umas três vezes cinco milhas.


E depois do repouso de quatro meses nestes lugares,
procure-se a espaçosa cidade de Évora, a passo rápido,
na qual devem viver-se os cinco meses seguintes, que depois não.
Reinam lá os frios do Inverno e os calores do Verão,
mas a cidade é saudável em tudo."


Cataldo Parísio Sículo

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Évora de pedra...



Rua Nova

NOVALIS poemas

“Quando a chave de toda a creatura
seja mais do que número e figura,
e quando esses que beijam com os lábios,
e os cantores, sejam mais que os sábios,
e quando o mundo inteiro, intenso, vibre
devolvido ao viver da vida livre,
e quando luz e sombra, sempre unidas,
celebrem núpcias íntimas, luzidas,
quando em lendas e líricas canções
escreverem a história das nações,
então, a palavra misteriosa
destruirá toda a essência mentirosa.”

NOVALIS
in “Henrique de Hofterdingen”
(trad. de Mário Cesariny)



“Bem-aventurado aquele que se tornou sábio, que já não especula sobre o mundo e busca em si mesmo a Pedra da Sabedoria eterna. Somente o sapiente é digno de ser adepto – ele transmuta tudo em vida e ouro, sem precisar de elixires. A retorta sagrada nele exala – o rei presente nele está – Delfos também; e finalmente ele compreende : Conhece-te a ti mesmo.”


Sabedoria, Força e Beleza

PROFECIA...

"Depois de uma batalha tão grande que as águas hão-de correr tintas de sangue, a guerra se acabará para sempre junto a Évora-Cidade.
À sombra duma palmeira que lá existe, os sobreviventes de banda a banda comerão um novilho em sinal de pazes.
Tão poucos eles serão, que a vitela há-de chegar e sobrar."

Do Povo

A MISTERIOSA ÉVORA

Certas manhãs, em Évora-cidade,
Uma luz, que desperta, misteriosa,
Verte essências de cravo e nardo e rosa
Nas ruelas de musguenta soledade...

E há uma alegria mística: - saudade
Não sei de que visão miraculosa...
E parece que freme, em cada cousa,
Um bater de asas para a Imensidade!

Envolve-se o áurero burgo em longo véu
De cisma e sonho... Em suas flóreas graças,
Calmo, sorri como a antever o Céu!

E o silêncio, que o embala e maravilha,
Pasma em velhas betesgas, ermas praças,
Cavo, no fundo das cisternas, brilha,

Mário Beirão

segunda-feira, 6 de abril de 2009

A LUZ que envolve Évora e que encanta...


Igreja de S. Francisco - a radiosa...

A FESTA DO BOI DE S. MARCOS EM ÉVORA

A FESTA DO BOI DE SÃO MARCOS

A Festa de São Marcos, a 25 de Abril, coincide com a antiga Festa Romana Rubigalia, que era celebrada para pedir a protecção contra o rubigus – ferrugem – do trigo.
Nesse mesmo dia, no âmbito do ritual dos Mistérios de Isis, procedentes do Egipto e fortemente implantados tanto na Grécia como em Roma – através da Alexandria, local onde segundo os hagiógrafos cristãos se terá dado o martírio de São Marcos – se celebrava a festa mistérica de Serapis. Era esta uma divindade sem mito, puramente salvífica (de sôter, salvador, um cognome de Júpiter), que vinha unir-se ao mito de Isis e Osíris, tomando a personalidade do Deus despedaçado e as qualidades solares do boi Ápis e note-se que Serapis, enquanto nome próprio, é uma união Osíris-Ápis. Serapis era a divindade propiciatória da fertilidade da Terra – a deusa Mãe – e, através dos ciclos agrários, da morte e da ressurreição do ser humano.
Há que fazer notar que os cultos Isíacos, como praticamente a totalidade dos ritos mistéricos, tiveram na Hispânia uma enorme difusão. E cabe aqui recordar que o serapeu mais importante de entre os que se descobriram na Península é o de Panóias, referido pelo Dr. José Leite de Vasconcellos na sua obra Religiões da Lusitânia, e não longe dos lugares estremenhos onde Feijóo e o Padre Coria confirmavam a presença activa do rito festivo do touro de São Marcos em obra publicada em pleno Século XVIII.
Tal como pode, pois, deduzir-se de todos os dados dispersos surgidos nas festas que se celebram em torno de São Marcos, o Evangelista teria passado a substituir, na data precisa, uma divindade serápica que teria sido provavelmente venerada nos lugares onde posteriormente se renderia culto ao santo.
[1]
Afirma José Leite de Vasconcellos na obra acima referida:
“Ao paganismo lusitano-romano sucedeu o Cristianismo (…). A Igreja, impotente para extinguir completamente o paganismo, santificou numerosas crenças; (…) Os simpáticos deuses tópicos, tão queridos do povo simples, transformaram-seem Santos patronos, a quem os devotos não deixaram de render o antigo culto, embora sob uma outra forma; (…).
Herdeira de inúmeros sistemas religiosos tão diferentes, a nossa religião popular é propriamente uma amálgama: descobre-se nela ainda elementos naturistas, animistas e politeístas.
As ideias, e sobretudo as ideias religiosas, raramente se extinguem: uma vez adquiridas pela alma humana, podem experimentar mil mudanças, sofrer e confranger-se, mas resistem levantando-se sempre contra o inimigo que as ataca.”

Nos primórdios do Cristianismo a maioria das comunidades subsistiam através da Agricultura, consequentemente foi encontrado um Deus que se interessasse pela fertilidade da terra e dos animais, servindo, em última análise, o próprio homem…
O Papa Gregório I, no século VII, reconhecendo esta maneira de sentir das populações, nomeadamente das populações rurais e aldeãs, instruiu o clero no sentido de, ao encontrar-se entre aquelas populações simples, crenças pagãs profundamente enraizadas as quais não pudessem ser eliminadas facilmente, as transformassem em práticas cristãs:
“e como eles têm um costume que consiste em sacrificar muitos bois ao Diabo, substituam-no por qualquer outra solenidade, como um dia de Consagração ou os Festivais dos santos mártires… Nessas ocasiões podem construir abrigos de ramos para si próprios à volta das igrejas que dantes foram templos, e celebrar a solenidade com festividades devotas. Não devem sacrificar mais animais ao Diabo, mas podem matá-los para comer em louvor de Deus, e agradecer ao que concede todas as dádivas a abundância de que gozam.”.
[2]»

NO CONCELHO DE ÉVORA

A Festa de São Marcos na Igreja de São Marcos da Abóbada

Na antiga igreja paroquial de S. Marcos da Abóbada, antiga sede de Freguesia do Concelho de Évora, hoje extinta e integrada na Freguesia da Torre de Coelheiros, tinha como orago S. Marcos Evangelista. O Padre Francisco da Fonseca, na sua obra “Évora Gloriosa”, – Roma, 1728, ver Parte Segunda, pág.223 – refere a realização da Festa de São Marcos dizendo: “todos os annos no dia do Santo, o Touro mais bravo deyxada a ferocidade natural, assiste na Igreja, como hum cordeyrinho aos Officios Divinos.”
Esta Festa de São Marcos ainda em 1901 se realizava no dia que lhe era consagrado, o dia 25 de Abril. Segundo notícia de jornal da época: “Hoje realiza-se em S. Marcos da Abóboda a festa anual do costume.”, in «Notícias d’Évora», 25 de Abril de 1901.

Festa de São Marcos na Ermida de S. Bartolomeu

“Da hermida do sagrado apóstolo S. Bartholemeu, disse eu algum dia, para mais, para hermida; porque he hua boa Igreja, mas com os predicados de hermida, grande, e formoso: Nella está também a Virgem May de deos com a invocação da Senhora da Paz, a quem por milagrosa levam alguas vezes alguns enfermos; tem aqui mesmo hua sua boa irmandade a mesma Senhora da Paz.
Da fundação da Ermida só me consta foi de hum Reverendo Quartanário da Sé, chamase Laureano Martins e era ainda vivo no ano de 1620. (…).
O Santo tem alguns devotos mordomos, mas o maior gasto de sua festa sae das esmollas, que no seu dia se tiram e dam na mesma Igreja a que concorre muito povo; mas já essas esmollas foram mais. Também concorrem muitos à festa da Senhora da Paz, que faz a sua Irmandade. E não sei se diga que muitos mais vam à festa do Evangelista S. Marcos que aqui está juntamente e em que alguas vezes não digo correm, mas trasem ao seu touro para assistir muito quieto à festa, e sem saber dar os seos guinchos, e sem fazer mal algum, mas todos se guardam, e fogem delle, despois, que se acaba a festa.”
[3]

Também no jornal eborense “O Manuelinho de Évora”, datado de 13 de Fevereiro de 1883 [pág.3], podemos ler a seguinte notícia:

Derrocada da Ermida de S. Bartolomeu
“Domingo ultimo, pouco antes das 11 horas da manhã, desmoronou-se a egreja de S. Bartholomeu situada no baluarte á direita da porta d’Aviz. A derrocada foi subita e quasi completa, ficaram de pé a capella mór e a parede sul. Ha muito que esta egreja ameaçva ruina proxima; estava profanada ha 4 ou 5 annos, e as imagens tinham sido transferidas para o Espinheiro.
A egreja de S. Bartholomeu foi edificada pelo padre Lourenço Martins em 1612, com auxílio de esmolas. Veneravam-se tambem ali as imagens da Sr.ª da Paz e de S. Marcos.
O baluarte foi construído em 1663. Em tempo foram muito populares as festas da egreja de S. Bratholomeu. O demonio que estava aos pés do santo tinha olhos de vidro facetado, brilhando muito, o que lhe dava grande celebridade.
Na festa de S. Marcos entrava um boi na egreja, como ainda hoje se usa em varias terras do paiz. O templo pertence à camara, segundo nos informam.”

Rui Arimateia

Notas:

[1] Ver: ARIMATEIA, Rui – O Mito de São Marcos (Breve Análise), in Ibn Maruán, n.º 3, Revista Cultural do Concelho de Marvão, 1993.
[2] Ver: ARIMATEIA, Rui – A Festa de São Marcos e a Religiosidade Popular, in «Ibn Maruán», N.º2, Marvão, Dezembro de 1992, págs. 39-40.
[3] Ver: FIALHO, P.e Manuel – “Évora Ilustrada”, Tomo II (B.P.E. Cód. CXXX/ 1-11) [Fls.921v e 922].

domingo, 5 de abril de 2009

O Grupo Cantares de Évora na Praça do Giraldo


o Cante Alentejano e a Sabedoria das Idades

Não me inveja de quem tem
carros, parelhas e montes
só me enleva quem bebe
água em todas as fontes.

O cancioneiro tradicional e popular alentejano contém em si vestígios da sajeza das idades… aquela sabedoria oculta, subterrânea, que nos diz que todos os homens são irmãos, que todos detêm um saber que está para além da propriedade material das coisas, dos objectos. E todos poderão partilhar a sua riqueza espiritual colocando-se cada qual disponível para ouvir o outro, aprender com o outro.
O alentejano ao ouvir as modas está simultaneamente a escutar o outro e a aprender com ele; e quando canta está a partilhar, está a ensinar. Através do seu cante o alentejano está a ser ele próprio e está a interpretar aquela voz que lhe chega das entranhas da sua terra-mãe, terra onde vive e onde trabalha e onde canta.
Nos dias que correm é cada vez mais necessário que cada um de nós queira e consiga “beber água em todas as fontes” para que as diferenças de todos possam ser compreendidas e aceites por todos. Para que aquilo que diferencia os homens uns dos outros seja um factor de aproximação e não um factor de desavença e de desentendimento.
O ser humano é uno e indivisível tal como a própria Vida. Às vezes é alentejano ou beirão; é cristão ou muçulmano; é judeu ou hindu; é preto ou é branco… No fundo a essência vital que anima os corpos dos homens é a mesma e eles estarão “condenados” a entenderem-se e a interagirem como irmãos se quiserem que a Civilização continue e evolua equilibradamente ao som da Música das Estrelas que nos envolve e que nos inspira a brotarmos para fora das nossas almas de alentejanos e de cidadãos do mundo aquele grito, aquele cante, que tanto nos diz e tanto nos encanta…

R.A.
Évora, 5 de Abril de 2008

sábado, 4 de abril de 2009

ÉVORA ANTIGA


Postal Ilustrado - Sé de Évora

ÉVORA

Évora, repertório inesgotável dos nossos melhores poemas de granito e mármore. Diz-nos Teixeira de Pascoaes, que se sente Évora como a Catedral do Silêncio, cheia de misteriosa comoção, a cidade mais bela para os olhos, que se extasiam nos passados longínquos e ao mesmo tempo sempre presentes. Se há alguma Cidade que nos remete continuamente para o Mito do Eterno Presente, onde o sagrado e o profano se amalgam num equilíbrio estético e telúrico, uma dessas Cidades será certamente Évora.
Aqui a História está viva. E para compreendermos verdadeiramente a Cidade e a sua História, de que nós fazemos parte, olhemos Évora através de diferentes enfoques, de diferentes abordagens, quiçá distintas, mas muito complementares.
Uma dessas abordagens é a poética. Só a poesia entra em esferas inatingíveis para os estados normais e normalizados de vigília (ou adormecimento?). Só a poesia é detentora de uma linguagem que permite uma comunicação com o Todo e com o Uno, e Évora é essa totalidade que nos envolve, que nos penetra nos nossos poros, que nos alimenta como um Mãe - como a Tellus Mater...
Outra abordagem possível será a analógica. Talvez porque só analogicamente, só pesando no nosso mais íntimo Ser, realidades diferentes nós possamos ter consciência de todo o processo histórico, mítico e humano da Cidade através dos séculos. Tal como nós, também Évora vive, respira, se alimenta e precisa de Sol e Ar e Água e Luz...
Uma outra abordagem será a imaginária. A imaginação criadora realiza milagres, pequeninos milagres (haverá outros?) tais como: o desabrochar do botão de uma rosa... o sorrir de uma criança que se debruça e nos espreita... a água no profundo poço que nos devolve a nossa imagem... a sombra e as contra-sombras num claustro esquecido... um grito... uma palavra ... a Vida e o seu Mistério...
Agarremos então nestas (e porque não noutras que possamos inventar?) três ferramentas da observação e partamos em demanda da Cidade. Veremos que talvez se entreabra a porta do coração, do nosso coração, para a sentir, para a olhar, para a ver...
É uma Aventura re-descobrir Évora sempre que por ela, pelas suas ruas, praças, largos, recantos, fontes, pátios, passeios, jardins, enfim um nunca mais acabar de sítios com ambiências peculiares e que nos sussurram ao ouvido interior e nos convidam para uma Peregrinação...
R.A.
Évora, Fevereiro, 1995.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

A SERPENTE DA NORA


Desenho de António Couvinha

Lenda da Nora da Herdade dos Padres

Na Freguesia de São Sebastião da Giesteira, Concelho de Évora, contaram-me, em 1983, a seguinte lenda, da tradição oral local:

Na Herdade dos Padres há uma nora muito antiga, quiçá do tempo dos mouros... Com largos muros e águas negras e profundas, com lodo que a uns escassos metros da superfície esconde eficazmente as suas profundezas, os seus habitantes e os seus tesouros...
Conta-se que realmente existirá no fundo desta nora um tesouro, um grande tesouro que fará muito rico quem tiver a sorte de o encontrar, se tiver a coragem para o procurar. Isto porque o tesouro é guardado por uma enorme serpente pronta a resistir a quaisquer profanações.
Assim, aquele que à meia-noite conseguir ir ao fundo da nora e encarar com o tesouro, aparecer-lhe-á a serpente, vigilante desde há muitas eras, que subirá pela espinha do aventureiro atrevido e lhe irá dar um beijo na testa. E eis que acontece o momento supremo da lenda e decisivo para o protagonista arrojado: se ele se arrepiar, ficará encantado no fundo da nora de onde não mais sairá, mas se vencer a serpente e não se arrepiar, ganhará o tesouro e usufruirá das suas imensas riquezas.


Lenda com um conteúdo simbólico muito particular e a merecer uma reflexão aturada. Lenda imbuída de um orientalismo expresso a ser estudada teosoficamente, no âmbito das religiões e filosofias comparadas.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Praça do Giraldo - o voo do Dragão




Escultura medieval na Sé de Évora

Miguel Torga e Évora

Évora, 14 de Fevereiro de 1942 – Rendo-me. Diante de uma realidade assim, rendo-me, e digo mais: que vale a pena, afinal, haver história, haver arquitectura, e haver respeito por quantos souberam ser antes de nós bichos e poetas do seu casulo. E por isto: porque até hoje, em Portugal, só esta terra me deu a justa medida e a justa prova da séria e humana pegada que deixaram no seu caminho nossos pais. Para que me surja vivo e sagrado aos olhos o que os meus antepassados fizeram, é preciso que a lição recebida seja ao mesmo tempo testemunho e destino. Ora nenhuma cidade nossa, salvo Évora, foi capaz de me dizer com pureza e beleza que eu sou latino, que eu sou árabe, que eu sou cristão, que eu sou peninsular, que eu sou português, – que eu sou a trágica mistura de sangue místico e pagão que fez de mim o homem desgraçado que sabemos.

Miguel Torga – Diário II.